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Ivy Fernandes, de Roma
O 14º Festival de Mirabilia de 2020, na Itália, foi um sucesso. Conquistou o público e driblou impossibilidades criadas pelo Covid 19. Com o título Satélite Of Life venceu várias impossibilidades em plena pandemia para ser realizado. Correu risco de ser cancelado, de ter uma edição on line, mas, no final, o público pode conferir ao vivo um dos maiores eventos da Europa dedicado ao mundo do circo e das artes cênicas.
De 29 de agosto a 12 de setembro moradores da cidade de Turim, Cuneo, Busca e Savigliano puderam apreciar 110 espetáculos, quase todos gratuitos, apresentados por artistas provenientes de várias partes do mundo que driblaram inúmeras dificuldades para chegar ao país e mostrar a sua arte.
“Foi a edição mais difícil e complexa que tivemos de organizar”, conta o diretor-artístico do festival, Fabrizio Gavosto, durante conversa com a reportagem do Panis. “Mas valeu a pena”, afirma o diretor que enfrentou inúmeros imprevistos, uma pandemia e meses de incertezas e de preparação do evento.
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A magia do Piemonte
Após o período de lockdown determinado pelo governo, o festival mostrou uma edição dedicada ao circo contemporâneo, à dança e ao teatro, com shows de rua e música.
O público pode apreciar e vivenciar momentos de magia e surpresas nos cenários naturais da região do Piemonte com espetáculos sendo realizados nos pátios, jardins, lonas (chapiteau), teatros e até mesmo no belíssimo Museu Ferroviário da cidade de Savigliano.
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“Tivemos de montar tudo baseado na segurança total do público, escolhendo bem os espaços externos e internos, para caso de chuvas, colocando as pessoas distantes. Contamos com a ajuda de cerca de 200 voluntários. Sem eles teria sido impossível”, conta Gavosto. “Importante salientar que o nosso festival, tem como objetivo lançar novos grupos, abrir o palco para novas experiências”, diz o diretor-artístico.
O artista convidado para a cerimônia de inauguração foi o cômico e transformista Arturo Brachetti.
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Concerto para dois palhaços
O grande protagonista foi o Circo Francês Contemporâneo, que apresentou o poético Concerto para dois palhaços, da Companhia Les Rois Vagabonds, no Teatro Toselli, que também esteve em São Paulo, no Festival Internacional Sesc de Circo.
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Outro grupo francês, a Compagnie Rasposo, mostrou o novíssimo espetáculo da premiada dramaturga de circo Marie Molliens e da própria companhia, chamado Oraison – um projeto apoiado pelo Festival de Mirabilia por meio da Residência Artística Multidisciplinar Performing Lands. A proposta é de um circo íntimo, especial, uma metáfora que revela várias faces.
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A companhia ítalo-francesa Zec apresentou o La 8ème balle, um show que revisita numerosos tipos de exibições ao ritmo delirante de malabarismos com os artistas usando do humor para mostrar a fragilidade dos seres humanos.
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Outro grupo que conquistou o público foi o Hyenas. No espetáculo, cinco pessoas antropomorfas marcam um encontro em um espaço exclusivo e luxuoso. São seres humanos vestidos de ovelhas da raça hiena e têm uma voz diferenciada.
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Trapézios e acrobatas velozes
Os ingleses foram representados com o grupo Lost in Translation, que apresentou uma versão muito original circense do Il Barone Rampante, um espetáculo de circo/teatro de tirar o fôlego, com trapézios voadores, pinturas acrobáticas e evoluções aéreas.
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Merecem destaques o projeto Trampolim, promovido pela Acci Associazione Circo Contemporâneo Itália, da qual Mirabilia é um dos membros fundadores. E mais o Circo Zoé, com o espetáculo Carte Blanche, criado especialmente para o festival.
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De tirar o chapéu o Circus & Surroundings, com The Black Blues Brothers. Nesse show, os artistas apresentam as mais incríveis pirâmides e acrobacias em um cenário que reconstruiu um elegante clube no estilo do Cotton Club.
As crianças também puderam se divertir no espaço criado especialmente para elas, o Micro Circo.
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Ritmo frenético
Todas as noites foram apresentados shows musicais como o do grupo italiano Baklava Klezmer Soul, com música-teatral. E não faltou o ritmo frenético na praça de Foro Boario, com o grupo Zevero Rom Orkestar mostrando um show de música tradicional cigana uma imersão nas alegres e intensas melodias, informa Gavosto.
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Fiel a seu objetivo de abrir espaço para novos artistas e experiências, o festival recebeu Ivona Company, de Pablo Girolami, que mostrou o show Manbuhsa. Uma viagem vibrante de emoções, inocência e sonhos, em que artistas se transformam em guindastes, aranhas, pavões, para uma transposição sobre o corpo de danças peculiares de animais.
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Dança circense
Uma das novidades deste ano foi a dança acrobática, ao amanhecer, no belo Parque do Rio Cuneo, do grupo Tecnologia Filosófica com o espetáculo H20 – a viagem da água no espaço e no tempo – cada gota é um mundo à parte. “Tivemos a ousadia de organizar um espetáculo às 7h30. Tive receio de que não viesse ninguém assim tão cedo, mas para minha surpresa foi um sucesso, reunindo gente que ia trabalhar, estudantes, comerciantes, boêmios e madrugadores”, afirma Gavosto.
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Outro show que merece destaque foi a dança irreverente de Silvia Gribaudi, com Graces, um projeto de performance inspirado na escultura e no conceito de beleza e natureza ligando as célebres esculturas antigas de Canova que o artista criou entre 1812 e 1817 – que discute a beleza e como ela se manifesta.
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O Circuito Piemonte participou com o Focus Italian Dance. Esse ano, Focus também apresentou a dança circense com o intenso e onírico espetáculo A Vertigem de Julieta, da coreógrafa Caterina Mochi Sismondi.
Muito aplaudida foi a apresentação do teatro urbano de Stalker Teatro, com a peça Próspero, uma representação de forte impacto visual e musical, dirigida a um público diversificado, curioso e atento às notícias. Um espetáculo ao vivo, envolvente, uma ponte entre as artes visuais e a arte da performance.
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Pelas ruas

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Um dos mais divertidos momentos do festival mantido em sigilo até o momento da exibição foi o show Como os anjos do céu, de Otto Panzer. Nele protagonistas apareciam e desapareciam nas ruas, nas esquinas, nos balcões, surpreendendo o público com visões rápidas e efêmeras nos ângulos da cidade antiga.
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Steli – criação coletiva

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Steli é uma instalação criada por Gabriele Boccacini com o apoio do Departamento de Educação do Museu de Arte Contemporânea do Castello di Rivoli (Torino). Com máscaras para se proteger contra a pandemia, o público é convidado – sempre em grupos pequenos – a construir uma estrutura diferente. Trata-se de uma performance que testemunha a inventividade das pessoas e o trabalho em conjunto que acaba por criar peça original.
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Homenagem a Da Vinci
A apresentação da Companhia Egri Bianco Danza, com Pillole di Leonardo da Vinci – Anatomie Spirituali, foi exibida no jardim da Fundação Crc. A Companhia de Susanna Egri e Raphael Bianco propõe uma investigação do corpo dos dançarinos, em um verdadeiro “processo de vivissecção”. Um impulso criativo, que serpenteia entre a música crua e minimalista de Alessandro Cortini e os sons da natureza, tão caros a Leonardo Da Vinci.
O circo contemporâneo também esteve presente com muitos jovens do Projeto Quinta Muralha em parceria com Mirabilia, Circumnavigando e a Ass. Giocolieri e Dintorni. Apesar de um 2020 complicado, o projeto conseguiu criar e completar o Trasbloc, uma performance criada pelos jovens talentos das escolas circenses.
“Foi um Mirabilia Meravilha”, diz Gavosto, que já trabalha no festival do próximo ano que deve ocorrer de 31 de agosto a 6 de setembro.
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Foto de Capa – Os Anjos do Céu invadem o festival / Foto Loris Salussolia