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“Fecunda, uma opereta tropicalista”, montada por artistas de circo, teatro e música, estreou online nos dias 15 e 16 de dezembro no Theatro Municipal de São Paulo. E pode ser vista em vídeo no Youtube e demais redes sociais da Secretaria Municipal de Cultura – clique aqui para ver.
A opereta mistura as artes do corpo no solo, nos ares e por um fio. E os movimentos acrobáticos e poéticos seguem o embalo de canções populares e eruditas numa sequência de acordes da identidade brasileira que passa pela bossa nossa, a banda, a fé cega, a faca amolada e o sonho meu, seu e que dança com todas as moças.
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“Fecunda” bebe na fonte do tropicalismo.
E esse movimento é relatado pela jornalista e colaboradora do Panis & Circus, Mônica Rodrigues da Costa, a seguir:
“Para o poeta, cantor e músico Caetano Veloso, a Tropicália nasce, conforme escreve na primeira edição de “Verdade Tropical” (1997), de uma mistura especial de linguagens, ideias e coincidências. Nasce numa mistura de experiência e filosofia, ou seja, experimentação das artes e de poéticas, aliando-as à tradição, do samba de Noel, com “Coisas Nossas”, que ficava em sua mente, ao cenário Brasil do interior da Banda de Chico Buarque, dando seguimento à MPB, lendo a Bossa Nova, com percepção crítica e o desejo de renovação de si mesmo, da identidade brasileira.
A bricolagem de referências é o discurso das pós-modernidade, ali oferecida na canção de Caetano em apenas, como ele escreve, uma breve “mirada às estrofes”. Estão nas canções aspectos de como Caetano vê o Brasil. A leitura do trecho da carta de Pero Vaz de Caminha na canção “Tropicália” descrevendo a paisagem está ali por acaso e brincadeira. Vê a Bahia antiga num recurso poético explorado em versos de Gregório de Mattos (1636-1696), a repetição das sílabas finais dos versos, a gerar duplos sentidos e polissemia, como “Viva Maria iá iá”, e “Carmen Miranda, da, da”, que põem lado a lado a visão europeia da arte dadaísta ou a geometria cubista às praças sombreadas dos terreiros baianos.
“Yá”, na língua africana yoruba, evoca as mulheres sagradas e ao mesmo tempo um sonho de Brasil em que o candomblé está presente. Estão presentes a sanfona e a guitarra elétrica e o Sertão, em que viveram Dadá e Corisco, Lampião e Maria Bonita. O autor ainda tinha no horizonte os filmes do cineasta baiano Glauber Rocha, como “Terra em Transe”.
A Tropicália avança, e o artista também, para o século 2.1 No livro Caetano escreveu que quis traduzir na canção a tragicomédia que era o Brasil, a pobreza (“uma criança sorridente, feia e morta”). Ele ainda lembra o percurso de nossa identidade aludindo a Iracema, personagem de romance de José Alencar (1829-1877). Caetano interpreta os signos e a sociedade de seu tempo.
A coincidência com o título da obra de Hélio Oiticica ser “Tropicália” reforça os laços com as multiartes de vanguarda, cujo ponto de chegada é o surrealismo, movimento ou estética cada vez mais sendo apropriada pelos artistas hoje.
Caetano oferece uma releitura da MPB e da literatura modernista no capítulo “Tropicália”, as entrelinhas e coisas ditas diante da técnica cubista de versejar, sendo a canção “sempre entrecortada por um refrão musicalmente fixo mas de letra variável, dando vivas a pares de rima e contiguidade desconcertante”, escreve Caetano. Simples e brilhante sua análise da canção “Tropicália” (p. 184-88). Tudo tratado com bom humor e singularidade, com gozação e lirismo, verdade e imaginação. Combina com o circo.”