
Mônica Rodrigues da Costa*, especial para Panis&Circus
“Rústico”, espetáculo alegre em seus cantos de trabalho no mundo rural do século 19, mistura o Brasil, a Espanha, outros países da América Latina nesse gênero musical folclórico revisitado e aproxima essa tradição do circo contemporâneo, multifacetado.
A concepção de “Rústico” é resultado de parceria entre a recém-criada cia. brasileira Barnabô (2019), de Luciana Menin e Pablo Nordio, e a companhia catalã Cíclicus, por meio de seu diretor artístico, Leandro Mendoza, que concebeu o espetáculo com a Barnabô e assina a direção.
O grupo catalão conquistou o Premi Ciutat de Barcelona de Circ em 2016 com o espetáculo “Guadual”. Lu Menin e Pablo Nordio são artistas do Circo Zanni, com sede na Raposo, próximo à Granja Viana (SP).
“Rústico” conta o dia a dia de um casal no campo a partir de números com ferramentas retiradas da lavoura – pá, escavador, ancinho, carrinho de mão – levadas ao palco, que viram aparelhos circenses.

O elenco (Luciana e Pablo), neles ou com eles, narra com acrobacias, teatro físico, dança e ritmados cantos de trabalho, com letras de Menin e músicas de Nacho Lopes, diretor musical, que assina a trilha sonora. Há canções também de outros compositores, como a clássica “La Caña”.
Em “Rústico” há o hibridismo habitual do circo, gêneros clássicos e folclóricos latinos, espanhóis, cubanos, brasileiros. O repertório combina com vozes dos animais da fazenda: galinha, boi, vaca, cavalo e muitos pássaros.
Os personagens dos dois únicos atores em cena – o casal na vida real Luciana Menin, mineira, e Pablo Nordio, de Córdoba – trabalham na roça ao som das melodias entoadas por Lu para conduzir o tempo e ordenar as tarefas, como em “Semear”: “Semear depois colher./ As rodas em redondo concentram trazem fé, /Elementos vão gerando, as sementes germinando,/ Semear depois colher!”.

No século 19, em cantos históricos, negros escravizados, os escravos de ganho, as pessoas negras já livres e os descendentes miscigenados — crioulos, mulatos, cafuzos — descreviam experiências, expressavam sentimentos e inventavam refrões para suavizar a labuta.
Luciana Menin e Pablo Nordio apresentam números de equilíbrio e força, como o mastro chinês. Ao lado de Pablo, Lu gira na corda marinha segura pelos pés em um aparelho gigante no qual contracena dramaticamente com seu antagonista.
O casal dança merengue e tango levando adiante o enredo sem palavras com força acrobática e coreografias.
Na maioria dos números usam esse grande aparelho, inventado para o picadeiro: fios e cordas, gangorra-barco-mastro-embarcação que possui uma multiplicidade de barras para as evoluções. Os artistas deslizam e voam com destreza e naturalidade e a plateia entende a história sem precisar de palavras.


As primeiras cenas apresentam o ambiente, o ritmo lento da rotina; os dois entram no pequeno picadeiro circular de madeira e vestem as roupas posicionadas na lona redonda no chão. Começam a trabalhar.
O figurino de Pablo transfigura a indumentária do gaúcho de bombachas, que galopa e cuida do gado. A roupa de Lu é o correspondente feminino dessa indumentária épica, que já mostra um pouco as peripécias que entrelaçam os números circenses.
A dupla acrobata do chão e do ar se provoca e se apaixona ao som de músicas como “El Dia em que me Quieras” em cenas de arrebatamento passional.
Nordio se transforma em atirador de facas e lança-as no alvo, um risco, nas costas do carrinho de mão que em outro momento serve a Luciana como base para exercícios de solo e contorcionismos. Esse desafio mostra um embate, mas a atmosfera muda e o casal dança, esbanjando sensualidade.
Em outra passagem, a dupla dorme e acorda para trabalhar. Ou usa máscaras e imita um cavalo e uma vaca em coreografia inusitada. Pablo e Luciana manipulam as patas dianteiras dos animais, de madeira, e imitam seu som e andar.




O cavalo faz cocô no palco e o público acompanha o gracejo. Os espectadores aplaudem em muitos momentos.
O ápice do espetáculo é o número final, com a bicicleta. Parece que Lu e Pablo abdicam de si e o palco vira puro movimento, pura velocidade. São apoiados pelo design de luz, que constrói cenas apoteóticas com variação de formas e cores.
Confira cinco cantos de trabalho com a cantora Clementina de Jesus.
Ficha técnica
Criação: Lu Menin, Pablo Nordio e Leandro Mendoza. Direção artística: Leandro Mendoza. Elenco: Luciana Menin e Pablo Nordio. Direção musical: Nacho Lopez. Músico: Gustavo Bento de Souza. Direção acrobática: Guga Carvalho. Cenografia: Leandro Mendoza e Pablo Nordio. Construção de cenografia e adereços: Dodô Giovanetti. Preparação vocal: Ju Cassou. Produção executiva: Cristiani Zonzini.
Serviço
“Rústico”
Em cartaz no Sesc Pompéia em fevereiro, dias 9 e 16, e março, 1º/3 e 8/3/2020, domingos, às 17h. 60 minutos. Livre. Endereço: rua Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700, Água Branca. Ingressos: R$ 6,00 a R$ 20,00. Em 15/2, no Sesc Taubaté.
*Mônica Rodrigues da Costa é crítica de teatro do “Guia da Folha de S. Paulo” e deste site, professora doutora e poeta.
Legenda Foto de Capa – Pablo Nordio e Lu Menin em “Rústico” / Foto Andrea Benedetti