Vida no fundo do mar é mágica
De Roma, por Ivy Fernandes
A mergulhadora italiana Cristina Zenato foi criada na região do Congo, na África, e é hoje uma das maiores especialistas do mundo na arte controlar e domesticar tubarões. Ela participou de vários programas de TV e documentários para a BBC de Londres e para o “National Geographic Magazine”. Fez inúmeras conferências em diversos países, inclusive no Brasil, em Goiás, em 2009, sobre a misteriosa e fascinante vida dos tubarões.
Cristina Zenato vive nas Ilhas Bahamas. Ela é poliglota, fala cinco línguas e viaja muito. O Panis & Circus conversou com Cristina por telefone. De sua casa, em Freeport, nas Bahamas, ela explica ao site como é a vida de pesquisadora, repleta de emoções.
O arquipélago das Bahamas é formado por 700 ilhas espalhadas por uma área de 160.000 quilômetros quadrados. As Bahamas são modernas e a capital, Nassau, tem tudo o que se pode desejar de contemporâneo.
“Temos dois aeroportos internacionais. O principal fica em Cable Beach, a dez minutos do centro de Nassau e a 20 minutos de Paradise Island. Há o porto marítimo, muito movimentado, onde atracam os grandes navios de cruzeiro e chegam turistas do mundo inteiro. A ilha Gran Bahamas é a sede da Unexso (Underwater Exploration Society), onde trabalho. Outra ilha fantástica é Andros, com lagos, riachos e praias limpas. Lá se encontra a maior barreira coralina do hemisfério ocidental”, conta Cristina.
Confira a entrevista a seguir.
Pingue-pongue
Panis & Circus – Quando desceu ao fundo do mar pela primeira vez e viu de perto um tubarão, você estava dentro de uma gaiola de ferro? Que tipo de preparação fez antes do primeiro encontro?
Cristina Zenato – A primeira vez em que desci para encontrar os tubarões era também a primeira imersão de brevê nas Bahamas, em 1993, para onde depois me transferi. Encontrei um tubarão da barreira coralina do Caribe, o Charcarinus perezi, e desci ao fundo do mar sem utilizar a gaiola de proteção, em um ponto do mar do Caribe a 12 metros de profundidade. Logo depois se aproximaram cerca de dez tubarões.
O primeiro impacto foi único e inesquecível. Lembro, mesmo 18 anos depois de ter acontecido. Cada vez que faço uma imersão no fundo do mar, entro em um mundo mágico. Os tubarões são belíssimos, elegantes, e não me canso nunca de apreciar os movimentos harmoniosos desses animais.
Circus – Como apareceu a paixão pelos bichos?
Cristina – Amo os tubarões desde criança. Quando comecei a mergulhar eu tinha oito anos. Meu sonho sempre foi o de nadar com eles.
Nasci na Itália em 21 de dezembro de 1971, mas minha família sempre esteve em movimento. Meu pai era militar e fazia parte das forças especiais como mergulhador. Viajamos muito. Cresci na África, na região do Congo, até a idade de 15 anos. O cenário fantástico, a sensação de espaço infinito e a vida ao ar livre foram fundamentais para que eu desenvolvesse minha paixão pelos oceanos.
Mais tarde decidi me transferir para as Ilhas Bahamas e estudar a sério a técnica do mergulho. Eu queria ver o mundo debaixo d’água. Para me manter no curso de mergulho, comecei a trabalhar em um resort e depois consegui entrar no centro mais importante das Ilhas para realizar atividades submarinas, o Unexso. Iniciei como assistente de mergulho em 1996, visitando cavernas e explorando as ilhas.
Pouco a pouco, observando as maravilhas do mundo submarino, aumentou a minha paixão pelos tubarões, animais de uma beleza extraordinária. Como se movem, como se posicionam, parecem até que posam para as fotos!
Aluna do craque Ben Rose
Cristina Zenato foi influenciada pelo especialista em tubarões Ben Rose, seu instrutor. Com Rose, ela aprendeu a provocar a imobilidade tônica. Muitos animais, tais como o tubarão, as cobras e os escaravelhos, praticam a denominada “imobilidade tônica”, ou seja, aparentam um estado de morte, ficam temporariamente paralisados como se estivessem inanimados. Com o intuito de afastar predadores (mecanismo de defesa), o animal pratica o que é chamado cientificamente de “tanatose”. Em outras palavras, finge-se de morto.
Essa técnica permite estudar os tubarões em absoluta segurança. Cristina também trabalha levando ao fundo do mar os turistas mais temerários, que querem provar a emoção de um encontro cara a cara com os tubarões.
Trabalho no mar
Circus – Quantas pessoas descem ao fundo do mar com você? Fale de seu trabalho do ponto de vista técnico.
Cristina – Meu trabalho consiste em administrar um importante centro, o Sub, sete barcos e 12 instrutores e capitães (aqueles que guiam os barcos). A esse trabalho acrescento o meu próprio, que é de adestramento de tubarões para o contato. As pessoas que praticam a atividade de mergulho, de todos os níveis, podem fazer imersões comigo e com meu grupo de trabalho e encontrar os tubarões que rondam o grupo.
Pessoalmente tenho a responsabilidade de preparar meus colaboradores, verificar com a máxima atenção os padrões de segurança e garantir que as regras sejam seguidas passo a passo. Depois ensino os clientes interessados a interagir com os tubarões, como eu mesma faço.
Circus – No centro Sub, que tipo de pessoas faz a experiência? O que acontece se alguém se agita no fundo do mar?
Cristina – Oferecemos essa possibilidade às pessoas interessadas. Certamente tudo é verificado e controlado diretamente por mim, e o cliente que desce comigo ao fundo do mar tem até dá de comer aos tubarões porque utilizo uma técnica de “trans-hipnose” muito leve, uma espécie de massagem que faço na cabeça do tubarão. Tudo é feito com suavidade, tocando em alguns pontos sensíveis que tranquilizam o animal.
Os próprios tubarões usam naturalmente a técnica, conhecida como “imobilidade tônica”, nos momentos de stress ou perigo. Neste caso, a “imobilidade tônica” é utilizada para tranquilizar. Não utilizo nenhum produto químico, faço somente massagem para interagir com os tubarões. A técnica serve também para que a gente consiga remover os anzóis que ficam presos nos dentes no animal e para recolher o DNA dos tubarões, de forma que os cientistas realizem pesquisas.
Voltando aos clientes, normalmente, quem pede para participar desse tipo de imersão não tem medo de tubarões, são pessoas habituadas a imersões no fundo do mar. Mas existe um curso especial, preparatório, teórico e visual, de três dias, antes da descida.
Circus – Como conseguiu se tornar especialista na pesquisa sobre tubarões?
Cristina – Ben Rose foi determinante para a minha vida. Ele me ensinou tudo o que sabia sobre os tubarões. Uma experiência única. No centro Sub Unexso, trabalhamos diariamente com os tubarões. Antes de iniciar minha atividade, estudei sobre a vida dos tubarões, aprendi vários detalhes sobre o comportamento e o temperamento desses extraordinários peixes e tive tempo suficiente para pesquisar os tubarões, seguindo seus lentos movimentos na água. Hoje, já completei 17 anos de prática, tenho a experiência de horas e horas de observação debaixo d’água.
Tenho absoluta consciência do respeito e amor que todos devem ter pelo mar, pelos peixes e pela fauna marítima. Penso que é uma questão de afinidade, sinto-me muito bem no mar. Na água me sinto segura. Minha paixão pelos tubarões me permitiu ter sucesso, realizar meus sonhos, crescer profissionalmente especializando-me no mundo dos tubarões.
Filha de peixe peixinho é
Circus – Além de Ben Rose, qual o profissional que mais a influenciou no percurso de trabalho?
Cristina – Meu pai que me ensinou que os tubarões não são perigosos, que são como outros peixes no oceano e que precisamos saber que tudo depende do nosso comportamento diante deles. Cresci sem medo de tubarões. Depois descobri o quanto estão vulneráveis, até mesmo frágeis. Por isso, decidi protegê-los e trabalhar para divulgar o que 95% das pessoas, em varias partes do mundo, não têm o menor conhecimento. É preciso saber que somente 6% de todos as espécies de tubarões são perigosas.
A inteligência dos tubarões ficou paralisada cerca de 400 milhões de anos atrás, não se desenvolveu.
Circus – Quais os melhores momentos que passou com os tubarões?
Cristina – Minha primeira grande emoção foi no dia em que consegui acariciar e quase fazer adormecer um tubarão, que ficou apoiado em meu ventre, praticamente no meu colo.
Eu estava ajoelhada na areia branca e fina de Freeport e o tubarão foi se aproximando. Ele media cerca de 2 metros de comprimento. Era uma fêmea. Gradualmente ganhei a confiança dela, mas muito lentamente. A esse ponto eu sentia o movimento suave de sua mandíbula, quando ela revolvia água em suas guelras. Foi um momento inesquecível e comovente.
Defenda você também os tubarões
Circus – Você lançou um apelo mundial nas Bahamas para proteger os tubarões. Por qual razão?
Cristina – Esse foi meu maior sucesso e sou orgulhosa porque o projeto foi concluído em julho de 2011 com uma lei que protege todos os tubarões no território das Ilhas das Bahamas, proíbe a importação e exportação de qualquer produto derivado dos tubarões e também proíbe arrastar para a terra um tubarão morto “por acaso” durante a pesca. É uma legislação completa, que cobre várias situações.
Hoje, felizmente, a população de tubarões, pelo menos nas Bahamas, não está mais ameaçada de extinção. O governo das Bahamas declarou que os tubarões fazem parte das espécies sob proteção. Mas sei que regularmente as indústrias pedem autorização dos governos para remover e exportar as barbatanas dos tubarões.
Precisamos explicar a toda humanidade que a extração das barbatanas dos tubarões é muito dolorosa e cruel e leva o animal à agonia e à morte. A cada ano 73 milhões de tubarões são massacrados dessa forma. E por quê? Para retirar as barbatanas e preparar uma sopa na China que faz parte do cardápio de casamentos e festas, sendo considerada um prato da alta culinária chinesa. Isso é um absurdo.
Precisamos muito dos tubarões e corais para garantir a saúde dos oceanos. Devemos protegê-los antes que a total e irracional exploração do mundo submarino provoque o desaparecimento de várias espécies de tubarões e de tantas outras categorias de peixes e corais.
Seria um desastre completo para o ecossistema. Por outro lado, a presença dos tubarões nas águas das Bahamas atrai os turistas e traz benefícios financeiros para a comunidade.
Circus – Planos para o futuro?
Cristina – Pelo momento, continuo ocupada com os tubarões, mas estou escrevendo um livro e preparo uma série de projetos, em especial na Rússia.
Para saber mais sobre a pesquisadora
Cristina Zenato está sempre com as malas prontas. No dia da entrevista ao Panis & Circus, ela estava de partida para outra ilha das Bahamas, onde vai estudar o fundo submarino. Se você quiser provar a emoção de um mergulho com Cristina e seus amigos tubarões nas águas límpidas das Bahamas, escreva para: www.unexso.com
A vida na ilha Gran Bahamas
Cristina Zenato vive onde muitos gostariam de viver e faz um trabalho que pouquíssimos teriam coragem de fazer. Ela conta como é a experiência de viver em Freeport, que fica na ilha Gran Bahamas, onde trabalha com os tubarões no centro Sub Unexso.
Os cenários são paradisíacos, diz Cristina, exatamente como se vê na TV e no cinema: praias com areia fina e branca, o horizonte azul e a água do mar, transparente, cor única que se encontra somente no Caribe.
Grandes hotéis de dez estrelas oferecem todo tipo de conforto sonhado pelos turistas. Também há hotéis mais simples para quem quer aproveitar para fazer esporte. Cristina diz que mora na ilha faz 18 anos e conta que quem chega pela primeira vez à localidade logo se apaixona pela natureza.
Gran Bahamas, para quem vive no arquipélago, é bem diferente. Ali não é necessária a quantidade de roupas que usamos na Europa e nos Estados Unidos. Bastam short, bermuda, camisa, tênis ou sandália.
Outro mito a ser desmontado é o de que viver nas Bahamas é caríssimo. Cristina afirma que é possível ter uma vida econômica, equilibrada, sem luxo, sem ter de exibir sempre símbolos de status.
Por outro lado é preciso ter muita paciência. Um operário não entrega o trabalho no dia marcado e o atraso é considerado normal. As pessoas não correm, tudo tem ritmo mais natural, mesmo se menos eficiente.
No início, o visitante pode se sentir um estrangeiro, mas a população é gentil, cordial, ajuda-o ao mesmo tempo que é ciumenta da sua terra, é necessário algum tempo para entrar em sintonia com a população da ilha e ser aceita.
Itália estuda o projeto “Coral Reef Hope”
Na Itália, o site Panis & Circus conversou com a bióloga Maria Berica Rasotto, do Departamento de Biologia da Universidade de Padova. No início do próximo ano, Maria partirá para as Bahamas com um grupo de estudiosos para participar do projeto cientifico Bach Bahamas – A Coral Reef Hope Spot. Ela explica: “Nenhum outro país no mundo destinou às áreas sob proteção os 20% do seu território como fez o arquipélago das Ilhas Bahamas. São 27 parques naturais marinhos e terrestres. Isso teve início 12 anos atrás, quando resolveram organizar uma rede de reservas marinhas para que os peixes pudessem passar tranquilamente de uma área a outra”.
A bióloga afirma que hoje as Ilhas Bahamas são um exemplo a seguir no mundo inteiro porque compreenderam que os turistas querem mergulhar em águas cristalinas, passear em praias com areia fina e o ecossistema das Bahamas é perfeito para isso. Mais uma razão para ser respeitado e não contaminado.
“São dez quilômetros de túneis e grutas, afirma a bióloga Rasotto, do Lucayan National Park. Os turistas, e, em especial, as crianças, podem observar 50 mil flamingos cor-de-rosa, que povoam o Inagua National Park. Tudo isso deve ser controlado, estudado e preservado. As belezas naturais das Ilhas Bahamas são incomparáveis, muito superiores que a dos hotéis de luxo construídos no mundo inteiro.”
Para saber mais, visite bahamas.co.uk
Linda entrevista
Grata pela leitura, Beth! :))