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Dani Rocha-Rosa, especial para Panis & Circus
No último semestre de 2021 uma “lufada” de ar chegou para a classe artística e para os apreciadores das artes. As praças públicas começaram a ser coloridas por artistas solos e pequenos grupos, as casas de show abriram as portas com espetáculos, trupes de lonas arriscaram curtas temporadas e finalmente parecia que a pandemia começava a ser superada. Porém, com a nova variante do Covid – Ômicron, zo cenário de janeiro de 2022 parece ter retornado ao começo da pandemia com trabalhos cancelados ou, em muitos casos, artistas tendo que cancelar os trabalhos por serem atingidos diretamente com o vírus.
“Historicamente os meses de janeiro e fevereiro são meses de baixa temporada para os trabalhos artísticos em São Paulo, e por isso aproveitamos, Cia LaClass, nossa proximidade com a região Sul (SC) e no final de novembro (2021) iniciamos a produção, junto com Wandeca (a comediante Dna. Bilica que vive nesta região) para a realização de shows em Florianópolis. Finalizamos a produção no final de dezembro, com 2 datas fechadas para o mês de janeiro, numa nova casa de shows em Florianópolis – Franz Cabaré.
Fomos de São Paulo para o Sul carregados com todos os equipamentos e uma semana antes da realização, fomos testados positivos. Ou seja, além dos gastos e do investimento da produção que não se concluiu, ainda tivemos os gastos com exames e medicamento”, relato a minha própria experiência.
“Aqui em Santa Catarina nem conseguimos voltar a apresentar direito. As contratações estão quase nulas, estamos vivendo de edital, isso quando se ganha! Um dos únicos lugares que está com projeto contínuo de apresentação e contratações artistas é o shopping. Muito triste”, diz Rhaisa Muniz, produtora cultural e artista circense em Florianópolis – SC.
Esses acontecimentos não são fatos isolados, afinal de contas ainda estamos em pandemia e dar “voz” a ela, se faz necessário para que possamos refletir sobre o papel da arte na sociedade e dos fazedores de arte que trazem saúde emocional em todos os momentos.
Neste texto falamos com alguns artistas e produtores circenses para abrir essa conversa e entender, neste pequeno recorte, o que está acontecendo por trás dos bastidores.
“Estou com Covid desde segunda-feira (ri suavizando a conversa). Nosso impacto é sentido em várias frentes pois essa nova onda de contaminação atinge todas as cadeias que organizam nossa atividade. Temos artistas/técnicos cancelando shows por estarem contaminados, temos os profissionais que trabalham em casa que igualmente se contaminam e desfalcam nossa equipe, além, de colocar em alerta o restante do time. Por fim, o público que claramente tem evitado a presença nessas atividades fechadas”, diz Joca Paccielo, produtor cultural e sócio da casa de espetáculos Clube Barbixas de Comédia. Joca, que já foi produtor do Circo Zanni e de muitas outras cias circenses, é um grande incentivador deste estilo de arte e mantém na curadoria da casa atividades semanais relacionadas ao circo.
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Tiana Moon
“Sinto-me devastada com o aumento de casos da doença e a possibilidade de novamente o setor cultural precisar se resguardar. Percebo uma mudança drástica na minha produção artística (na minha saúde mental, emocional) desde 2019 até aqui. Embora eu nunca tenha parado de trabalhar e estudar, e tenha me adaptado ao máximo que consegui aos terrenos virtuais, me dói … (ver) a necessidade de mais um período sem estar em contato direto com as pessoas em acontecimentos cênicos e em ambientes de aprendizagem, estudo, pesquisa e a diminuição absurda das oportunidades de trabalho.”, diz Tiana Moon, palhaça Expertirina de LaLuna Incandesciente, de Porto Alegre – RS (trecho tirado com sua autorização de uma publicação do Instagram dia 18/01/22 @@temperansssa)
“Depois de ter uma apresentação “adiada”, neste mês, sinto um desânimo gigante, uma sensação de impotência. O medo pelos perrengues financeiros voltarem, por tudo o que vivemos em 2020 e começo de 2021. Um medo de cancelar tudo de novo e de novo ficarmos sem trabalho, diz Ariadne Antico, a palhaça Birita de São José dos Campos.
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“Tenho pensado muito que nossa atividade, por mais que gere aglomeração, é bastante segura, se comparada com outras. Nosso público é bastante consciente e nós temos um papel importante para isso. Dá para assistir uma peça ou espetáculo inteiro sem tirar a máscara. Já no barzinho e no restaurante é inevitável que as pessoas se exponham mais”, desabafa Marina Bombachini, da Cia LaMala. Na mesma linha segue Adelvane Neia: “é preciso priorizar a arte”.
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Adelvane Neia
Para Nathalia Dias, produtora da Dente de Leão Cultural e artista-fundadora do Coletivo Mariás, “o mês de janeiro deste ano traz uma série de inseguranças para a classe artística. Não podemos deixar de ressaltar o descaso do atual governo, e a preocupação com esse ano de eleição, por isso precisamos conversar sobre como podemos nos articular para que a situação não piore. O que resta a nós artistas é manter a nossa esperança, nosso equilíbrio, e a certeza de que apesar das dificuldades e incertezas desse momento, nós amamos o que fazemos, e sabemos da importância da arte e cultura enquanto sociedade pensante e viva”.
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Nathalia Dias
Sou muito feliz pelo privilégio de fomentar e fazer arte, me sinto nutrida diariamente. Vamos sempre buscar novas formas e reinventar a maneira de trabalhar com nossa grande paixão, e isso não nos será tirado.”
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Não dá para negar que a vida, há dois anos, mudou e que tudo parece estar de uma outra forma. Um trabalho que durante muitos séculos é realizado de uma forma e, assim como outras epidemias já aconteceram e as coisas parecem ter voltado como era antes, hoje não temos mais garantias. Estamos ávidos pelo encontro, porém o isolamento social de alguma forma combina com a vida digital e esta, também parece ter os seus encantos.
“A segunda vez que sinto que algo se mexeu de novo na estrutura da minha vida profissional. Agenda, shows, futuro, presente… parece que voltamos para atrás. Com esta nova onda senti que voltaríamos para o lugar que, em 2021, ficamos sentindo o que seria da nossa profissão. Não saber por onde seguir, o que fazer e como continuar fazendo arte voltou a ser uma grande pergunta. Cancelaram vários shows e “adiaram” outros. No início da pandemia fui direto para o mundo digital, aprendi novas ferramentas e trilhei novos caminhos que, nestes últimos meses, quase já tinha abandonado pois parecia que tudo iria voltar ao normal mais não. Acredito que a pandemia veio para nos mostrar um novo estilo de vida e um novo jeito de fazer arte através do mundo digital e foi isso que me deu tranquilidade para dizer está tudo bem. Não estamos talvez “perdendo” espaço, estamos aprendendo uma nova forma de fazer. Sinto que temos que nos acostumar, que o mundo já e outro e se não nos alinharmos a situação talvez seja mais devagar o processo, de achar um novo estilo de vida e ter paixão pelo que a gente faz nessa passagem pelo mundo. Sinto que o mundo mudou”, diz Marcelo Lujan, multiartista do Circo Zanni, Circo Amarillo e Cia LaClass Excêntricos.
Enquanto isso, na quarta-feira 12/1, a Folha de SP revelou um evento de tecnologia e empreendedorismo, com participação do Ministro Marcos Pontes, do atual governo, que recebeu autorização da Secretaria de Cultura para captar 2,7 milhões, via Lei Rouanet. Detalhe, o evento não é cultural e não cumpre obrigações previstas pela lei.
Parece que novamente a arte entrou em um estado de emergência cultural. Hoje no Instagram @leiememergenciacultural, um canal de notícias e informações sobre a Lei Aldir Blanc, colocou um post que declara sobre este novo momento e apela sobre a dinâmica de funcionamento do setor cultural no Brasil, solicitando uma mobilização em pró a construção de um sistema de proteção social para trabalhadores e trabalhadoras da cultura no Brasil. Clique aqui para ler a publicação na integra.
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Legenda foto de capa – Dani Rocha-Rosa e Marcelo Lujan, no Circo Zanni no número das argolas