Eles pedem que parem de descrever manobras criminosas como “circo” e autoridades duvidosas como “palhaços”
Artistas fazem ‘‘palhasseata’’ no centro de São Paulo e homenageiam seu maior ídolo: o palhaço Abelardo Pinto, o Piolin, que virou oficialmente nome de rua na terça-feira, dia 18/12/2012. A seguir, leia parte do Manifesto dos Palhaços:
“Somos palhaços de profissão… A cara pintada e o nariz vermelho são nossas marcas; ambos denunciam os desmandos públicos, no picadeiro ou fora dele. Até aqui estamos juntos, mas eis que imediatamente a corrupção vira ‘palhaçada’. Diz-se das manobras criminosas: ‘Isso é um circo’. Autoridades duvidosas são chamadas de ‘palhaços’. Vocês sabem o que é uma palhaçada? Não? Então retornem ao circo e vejam que ela não é escândalo público, que não é corrupção e roubo muito menos.
As comparações e metáforas nos associam às causas impopulares, não existe no mundo personagem tão popular e querido como o nosso! Basta! Continuem protestando porque isso se faz necessário, mas não usem nosso personagem e nossos narizes em vão. Nossa profissão é criar alegria e não a corrupção. É alimentar a vida e igualdade de todos e não o roubo de poucos”.
Bolognesi escreveu manifesto
O texto do Manifesto dos Palhaços, do escritor Mário Fernando Bolognesi, foi lido por Camilo Torres, presidente da Abracirco (Associação Brasileira do Circo), vestido de palhaço, durante a oficialização da Rua Piolin, na terça-feira, em 18/12.
Dezenas de palhaços caracterizados desfilaram pelas ruas do centro da capital paulista com monociclos, flautas e uma câmara falsa de televisão. À frente deles, a Banda Xupisco, formada pelo quarteto Huck (Aírton), no saxofone, Mojica, no trompete, Fernando, no zabumba, e Emílio, no caixa, que teve a responsabilidade de fazer “o rufar dos tambores”.
Artistas e músicos saíram do Centro de Memória do Circo, na Galeria Olido, e se dirigiram para a Rua Abelardo Pinto, no Largo Paissandu (Paiçandu).
No local, o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, descerrou uma placa, de 64 cm x 32 cm, oficializando com o nome de Rua Piolin a Rua Abelardo Pinto, conhecida como “Beco do Piolin”, onde funcionava o palco principal do Circo do Alcebíades, frequentados pelos modernistas Oswald e Mário de Andrade a partir da década de 20.

Calil, secretário da Cultura, cumprimenta palhaço, na Rua Piolin, travessa do Largo Paissandu (Paiçandu)
Filho de artistas de circo, Abelardo Pinto, o Piolin, conquistou o reconhecimento dos intelectuais da Semana da Arte Moderna, movimento artístico e literário realizado no Brasil, em 1922, como exemplo de artista genuinamente brasileiro e popular.
A reportagem do Panis & Circus, presente na “palhasseata”, perguntou ao secretário Calil por que ele não falou do circo em sua entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo” (“Estadão”), em que fez um balanço de sua gestão à frente da Cultura do município. Com o título “A Despedida do Revolucionário Conservador”, o jornal dedicou, em 15/12, a página D13 inteira, do “Caderno 2”, ao secretário Calil.
O secretário parou um instante, pensou e respondeu: “Eu falei bastante sobre o circo. E saiu um trecho, ainda que pequeno, sobre o preconceito ao circo na entrevista”.
O secretário tem razão. Ao responder à pergunta dos jornalistas do “Estadão” sobre qual foi a maior dificuldade enfrentada por ele nesses oito anos (Calil assumiu o posto em abril de 2005 e deixa o cargo em janeiro de 2013) no comando da secretaria da Cultura, Carlos Augusto Calil disse:
“Dificuldades com o Ministério Público, dificuldade para sensibilizar o governo, preconceito. Queria, por exemplo, ter feito mais pelo circo do que fiz. Tinha o projeto para uma praça do circo na Pompéia, que foi barrado pela associação dos moradores. Diziam que o circo ia trazer ‘maus elementos’ para o bairro. Fui ameaçado. Puro preconceito.” A praça, segundo ele, levaria o talento e os bons elementos para o local.
O secretário confirmou ao Panis & Circus, durante a palhasseata, que o projeto da Praça do Circo mudou de local e foi deslocado para um grande terreno na Vila Guilhermina, zona norte da cidade, atrás do Shopping D.
As atividades circenses enfrentaram também, na gestão de Calil, as barreiras jurídicas para a instalação da Escola do Circo Piolin na região central. A alegação é oposta à da elite dos Amigos da Vila Pompéia: proteção ao sem-tetos.
O local reservado à escola, próximo ao Largo do Paissandu, foi invadido por sem-tetos. Em junho, a Justiça negou pedido da prefeitura para a retirada dessas famílias. “Em sua sentença o juiz disse que qualquer lugar serve para palhaçaria”, explicou Calil à reportagem presente na palhasseata. O juiz ignorou a simbologia do local e a sentença, que é pública, mostra o exercício de conceitos danosos à classe circense.
Piolin teve seu circo armado em São Paulo, no Paissandu. Por décadas, o Largo Paissandu foi o ponto de encontro de palhaços, domadores e empresários que ali contratavam os artistas. Piolin foi despejado de seu circo, em 1961, e o despejo dele se tornou, assim, símbolo do descaso dos poderes públicos para com o circo.
Mais uma vez a história se repete com a Praça do Circo e a Escola do Circo.
Para o secretário Calil, a melhor resposta da arte circense está em cartaz na Galeria Olido, no Centro de Memória do Circo (CMC): trata-se da exposição “Hoje tem Espetáculo!”, aberta no dia 10 de dezembro. “É uma exposição linda, que mostra a qualidade, a importância da arte circense no Brasil.” Trata-se do contraponto ideal ao preconceito.
Para o palhaço Xuxu, presente na palhasseata e que foi o último companheiro de Piolin, “é uma exposição que deve se tornar referência nacional”.
Verônica Tamaoki, coordenadora do CMC e curadora da exposição, disse que a mostra era um desejo dos circenses: “Três anos depois da criação do CMC (que contou com o apoio do secretário Calil), conseguimos reunir material para montarmos a mostra ‘Hoje tem Espetáculo!’”.
Para revalorizar a tradição circense, além da criação do Centro de Memória e da exposição permanente ‘Hoje tem Espetáculo!’, a gestão de Calil deixa os projetos para a futura Praça do Circo e a Escola de Circo Piolin. “Queria ter concretizado esses projetos, mas o preconceito falou mais forte”, disse o secretário.
Quem vai herdar os projetos circenses da Praça e da Escola é Juca Ferreira, o novo secretário de Cultura da cidade de São Paulo, que assume o cargo em janeiro de 2003 com a posse do prefeito eleito Fernando Haddad. Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura, no governo Lula, de 2008 a 2010, foi considerado por Calil “uma ótima escolha”.

Calil, secretário da Cultura, Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo, e palhaço com a câmara de filmar sem filme
Piolin conquistou modernistas e presidente da República
Abelardo Pinto (1887-1973), o Piolin, foi contorcionista, acrobata, ciclista, músico (tocava violino e bandolim) e, por volta de 1917, passou a representar o palhaço Careca. Mas logo mudou para Piolin, que significa “barbante” em espanhol. O nome surgiu numa brincadeira com suas pernas finas.
Piolin começou a fazer sucesso no Circo Irmãos Queirolo, no início dos anos 20, quando substituiu o palhaço Chicharrão e passou a fazer as cenas cômicas com Harrys e Chic-Chic.
Depois, em 1925, associou-se a Alcebíades Pereira e, com ele, no Largo do Paissandu, viveu sua fase de glória.
O presidente Washington Luís (1869-1957) era fã de Piolin e tinha cadeira cativa em todas as quintas-feiras no circo dele. Os artistas modernistas escreviam frequentemente sobre o palhaço em jornais e revistas.
Em 1929, no dia do seu aniversário, os modernistas homenagearam Piolin com um almoço que chamaram de “Festim Antropofágico”, no restaurante mais chique de São Paulo, que era o Mappin Stores, na praça do Patriarca, afirma Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo. Considerando que os antropófagos comiam o inimigo para adquirir as qualidades deles, o ato simbólico de “comer Piolin” constituiu-se numa verdadeira consagração ao palhaço.
Verônica Tamaoki contou que Piolin foi reconhecido em São Paulo, em 1972, mas seu circo foi despejado, do centro da cidade, em 1961.
“Durante mais de 30 anos, Piolin teve o seu circo armado no Paissandu e depois nos bairros do Brás, Marechal Deodoro e por fim na avenida General Osório da Silveira, onde permaneceu por 18 anos até ser despejado, no final de 1961, pelo IAPC, antigo INPS. O motivo alegado na época foi a construção de um hospital no local, mas nada foi erguido ali até o início da década de 80. O despejo de Piolin tornou-se símbolo do descaso dos poderes públicos com o circo”, relata texto da Secretaria de Cultura.
“Foi muito difícil para ele ter sido expulso do Paissandu. O palhaço Piolin que Di Cavalcanti pinta é um Piolin brincalão, maroto, não é um Piolin triste. A figura triste vem mais tarde após ter sido despejado”, afirma Verônica Tamaoki.
“O parlapatão Hugo Possolo fez um manifesto lindo em que Piolin pede: ‘Devolva o meu Paissandu, devolva minha General Osório, oh, São Paulo, me devolva isso’.”
Em 1972, na comemoração dos 50 anos da Semana de Arte Moderna, Lina Bo Bardi, arquiteta do Masp, casada com Pietro, fundador do Masp, assumem um artista da cidade de São Paulo: o Piolin. O circo dele é instalado embaixo desse museu. À época, Pietro Bardi disse: “Fiz questão de colocar Piolin aqui”, apesar de a vizinhança da avenida Paulista, um dos pontos mais valorizados da cidade, não querer o circo ali.
Um ano depois, em 4 de setembro de 1973, morria Piolin. As fotos do dia de sua morte são impressionantes. Uma multidão se reuniu para dar adeus ao seu Palhaço.
Texto Bell Bacampos/Fotos Asa Campos