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Quarta-feira: 27.2.2019

Folha de S.Paulo – O disparate do MEC

Opinião –A2

Após pedir a escolas que cantassem hino e repetissem slogan bolsonarista, ministro volta atrás

O grupo de ministros mais ideológicos do governo Jair Bolsonaro (PSL) dá a impressão de competir, dia a dia, pela produção de estultices. Nessa acirrada contenda, que envolve áreas relevantes, o titular da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, tem merecido destaque.

Já em seu discurso de posse, deixou claro o tipo de preocupação comezinha e paranoica que nortearia sua atuação. Atacou uma fantasiosa ideologia de gênero que estaria a conspurcar a formação dos jovens do país e disparou contra o fantasma do marxismo cultural.

No posto, o ministro pouco deixou ver, até agora, de seus planos para aspectos centrais do ensino do país —como elevar a qualidade do aprendizado e superar o gargalo do nível médio, para citar alguns.

Em vez disso, envolveu-se em decisões questionáveis, caso da nomeação de ex-alunos sem nenhum traquejo em gestão pública para postos relevantes da pasta. Num episódio constrangedor, acabou por exonerar um funcionário após a publicação de um edital que estabelecia critérios deficientes para a compra de livros didáticos.

Na coleção de declarações infelizes, disse que o turista brasileiro se comporta como um canibal, a furtar objetos de hotéis e aviões —um comportamento a ser corrigido, para ele, na escola. Também atribuiu erroneamente uma frase chula ao cantor Cazuza (1958-1990), o que ocasionou um pedido de desculpas à mãe do artista.

Na segunda-feira (25), Vélez houve por bem conclamar as escolas do país a um ato de civismo entrelaçado com propaganda do governo. Enviou por email a estabelecimentos públicos e privados uma mensagem na qual exortava alunos, professores e funcionários a se perfilarem para cantar o hino nacional diante da bandeira.

A carta, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, solicitava que as cerimônias fossem gravadas em vídeo, o que demandaria autorização dos pais. Apresentava, ademais, um texto a ser lido nas ocasiões.

“Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, dizia a peça, num endosso forçado ao slogan de campanha de Bolsonaro.

Tamanho disparate, que mais parece sátira ficcional de um movimento ufanista, não poderia deixar de provocar imediatas reações de repúdio. É espantoso que o ministro não as tenha previsto.

Diante da péssima repercussão, Vélez anunciou que reformularia a carta para suprimir a propaganda bolsonarista. Assumiu, parcialmente, um equívoco —foi o que mais fez neste início de gestão.


Quarta-feira: 27.2.2019 

Folha de S.Paulo – Governo tenta exercer o poder com mentira e desinformação

Bruno Boghossian 

Ao tentar apagar bobagens com lorotas, Bolsonaro e auxiliares ofendem os próprios eleitores

O chanceler Ernesto Araújo achou que poderia apagar uma bobagem com uma lorota. Depois de soltar uma besteira quando afirmou não saber se o regime da Coreia do Norte age com a mesma brutalidade de Nicolás Maduro, o ministro tentou colocar a culpa na imprensa.

Em uma postagem, Araújo reclamou que os jornais só passaram a chamar os líderes norte-coreanos de ditadores depois que o americano Donald Trump passou a negociar com Kim Jong-un. O chanceler talvez tenha achado que escaparia ileso com essa desonestidade flagrante. A verdade é que ele mentiu.

Há três gerações, a imprensa trata o governo norte-coreano como um regime autoritário. Em julho de 1994 os jornais noticiavam que o corpo de Kim Il-sung, “ditador que governou a Coreia do Norte por 46 anos” e avô de Kim Jong-un, seria carregado pelas ruas de Pyongyang. Araújo fingiu que não viu e só tentou limpar sua barra com aquela fantasia.

Alguns integrantes do governo querem exercer o poder com base na mentira. Depois de dizer à revista Veja que os brasileiros se comportam como canibais, o ministro Ricardo Vélez (Educação) primeiro alegou que suas palavras foram publicadas “fora de contexto”. Quando a gravação da entrevista foi divulgada, ele parou de enrolar e admitiu que foi “infeliz na declaração”.

O próprio Jair Bolsonaro, que se beneficiou de uma enxurrada de notícias falsas durante a campanha, também usa a enganação como método.

Nesta terça (26), o presidente fez propaganda de um item do pacote de Sergio Moro que pretende ampliar a coleta de DNA de criminosos. Bolsonaro se queixou de que “parte da mídia e pessoas de má-fé omitem propositalmente” detalhes do texto. Era mais uma trapaça: a ideia foi noticiada e debatida pelos jornais.

Um governo que se ergueu sobre uma plataforma popular apoiada por 57 milhões de votos não precisa recorrer à mentira. Ao apostar na desinformação para atacar a imprensa, o presidente e seus aliados acabam ofendendo seus próprios eleitores.


Quarta-feira: 27.2.2019

O Estado de S. Paulo –Educando  bolsonaristas

Monica De Bolle

A má comunicação do governo Bolsonaro e a desarticulação da base podem comprometer seriamente a reforma.

Na semana passada, o governo apresentou uma boa proposta para a reforma da Previdência. Mais ambiciosa do que a de Temer para resolver os problemas de médio prazo das contas públicas, mais progressista do que a de Temer ao incluir alíquotas que aumentam de acordo com os salários, mais abrangente do que a de Temer ao incorporar Estados e municípios. Evidentemente, como em qualquer reforma dessa envergadura, há pontos para discussão e aprimoramento. Há também o receio de que o governo não tenha o traquejo necessário para evitar que a reforma seja substancialmente diluída. É sobre isso que pretendo tratar.

Bolsonaristas são um grupo heterogêneo dentro e fora do governo. Dentro há militares, ideólogos-religiosos e tecnocratas – mistura esquisita. Fora há ultraconservadores de direita, alguns religiosos outros não, gente que continua a ver fantasmas petistas por toda parte ainda que o partido esteja completamente desarticulado, e pessoas que simplesmente esperam do novo governo o necessário e urgente rumo para o País. Difícil achar muitos pontos em comum entre esses grupos, assim como é complicado encontrá-los dentro do governo. Dessas dificuldades e complicações surge, inevitavelmente, a necessidade de educar alguns – não todos – bolsonaristas.

Comecemos pelos ministros. O do Turismo tentou intimidar a Folha de S. Paulo após revelações comprometedoras, mas a liminar do cala a boca foi derrubada pela Justiça. Eis um bolsonarista cuja educação veio diretamente de um dos três Poderes da República. O ministro da Educação tentou emplacar o mote de campanha de Bolsonaro na cartilha das escolas, a ser repetido pelos alunos como autômatos todos os dias. Também tentou forçar a barra para que crianças e professores fossem filmados no ato de cantar o Hino Nacional. Nada contra o Hino Nacional – apesar do positivismo retumbante de sua letra, considero nosso hino belíssimo.

O problema é filmar crianças e adultos para que o Ministério da Educação pudesse agir como um big brother orwelliano. Não emplacou. A sociedade se manifestou de várias formas, inclusive por meio das redes sociais, o atual quinto poder da República Bolsonarista. O MEC foi obrigado a recuar da ordem que descumpriria vários artigos da Constituição, conforme alertaram especialistas. O ministro ideólogo de Bolsonaro foi educado de forma rápida e contundente. O ministro do Meio Ambiente bem que tentou esvaziar as notícias sobre seus fictícios diplomas acadêmicos. O quinto poder não permitiu, dando-lhe educação exemplar. O ministro das Relações Exteriores, assanhado com a possibilidade de se aproximar dos EUA dando declarações estapafúrdias sobre a Venezuela e a Coreia do Norte foi velozmente desautorizado pelos generais – esse anda recebendo educação dia sim, outro também. Aguardamos o aprendizado de Ernesto.

Tudo isso e mais alguma coisa – porque sempre tem mais alguma coisa – aconteceu em momento crítico, quando as atenções deveriam estar voltadas para a reforma da Previdência. Não à toa, Rodrigo Maia soltou advertência: a má comunicação do governo e a desarticulação da base podem comprometer .A má comunicação do governo e a desarticulação da base podem comprometer seriamente a reforma seriamente a reforma. Sobretudo se o País continuar a perder tempo com os devaneios de alguns de seus Bolsonaristas.

Nas redes sociais repete-se algo já visto na era petista. Em vez de as pessoas estarem concentradas em algum debate – bobo, raso, ou sério – sobre a reforma da Previdência, há profusão de xingamentos, intimidações, e até ameaças. Fui alvo disso recentemente. A educação dispensada não foi difícil. Afinal, em tempos de internet, certos bolsonaristas ou direitistas extremados assanhados podem até acreditar que são anônimos. Mas a internet é uma maravilha. Por lá, nada se perde e tudo se descobre, inclusive identidades de quem se acha protegido atrás de avatares e monitores de computador. O quinto poder da República, mais do que os outros, vale igualmente para todos.

Portanto, deixo o recado. Podemos perder todo o tempo do mundo educando os bolsonaristas que se acham os donos do Brasil – não são todos. Ou, podemos aprovar uma boa reforma da Previdência. Alea Jacta Est.


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