Quinta-feira: 11 de abril de 2019
Valor: Um presidente indomável
Maria Cristina Fernandes
Ocupantes de oito cargos de primeiro escalão, os militares do governo deram à largada do presidente da República um duplo verniz de força e moderação. A ascendência sobre Jair Bolsonaro de um general cabeça-branca, comandante bem-sucedido em força de paz das Nações Unidas, e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, deu forma à tutela.
O presidente alimentou a narrativa com discursos no plural majestático. De um lado, mostrou-se curvado aos valores outrora desprezados da hierarquia. Do outro, os generais, convencidos pelo poder de galvanizar as massas do insubordinado capitão, pareciam apostar que a parceria lhes devolveria prerrogativas perdidas e um novo status para os projetos militares.
Se os cem primeiros dias do governo mostraram algo, no entanto, é que Bolsonaro é um presidente indomável. A nomeação de um ministro como Abraham Weintraub é a coroação da vitória do radicalismo obscurantista sobre qualquer poder moderador do qual os generais deste governo acreditaram ou fizeram acreditar ser titulares.
De tutelado pela farda, Bolsonaro fez dela sua prisioneira
O presidente da República dá sinais crescentes de que prestigia as alas comandadas por seus filhos e pelo guru de Virgínia em detrimento dos militares que levou para o governo, a começar do seu protetor-mor, o cansado general Heleno Ribeiro, a cujas intervenções Bolsonaro hoje reage com cara de paisagem. Prestigiou Olavo de Carvalho em meio a um tuitaço deste contra seu vice-presidente e não fez um único desagravo aos petardos lançados na direção do seu ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz.
Ao prestigiar os formuladores da doutrina bolsonarista de mobilização, em detrimento dos militares ou de sua base no Congresso, o presidente da República sinaliza o rumo de seu governo. A queda acentuada na popularidade ligou o sinal de alerta em relação à erosão do apoio institucional. Com a perda no capital político acumulado junto a empresários, investidores e parlamentares, Bolsonaro acelerou a aposta no núcleo duro de seu eleitorado, aquele que reage mais prontamente ao apelo ideológico da caça aos ladrões, corruptos e comunistas.
A entrevista do novo titular do MEC à Renata Agostini, de ‘O Estado de S.Paulo’ não poderia ter sido mais clara. Na educação, a liberdade de escolha e a propensão à indisciplina variam conforme a renda. Como só o analfabetismo explica o voto no PT, sua missão passa pelo resgate da ignorância política de 45 milhões de eleitores. Seria apenas risível não fosse Abraham Weintraub um gestor focado e azeitado com o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, inquilino de poderoso gabinete da Esplanada.
A origem no mercado financeiro de Weintraub é o dado mais diversionista da conjuntura. Com sua nomeação, Bolsonaro dá as costas aos militares e ao Congresso e contribui para a perda do apoio institucional a reformas caras ao mercado.
Bolsonaro cultiva suas brigadas com a lógica miliciana à qual pretende recorrer se o cerco ao governo se adensar. Não se limitará, porém, à aposta ideológica. Associa seus parceiros institucionais às desventuras em série do governo. Socializa os prejuízos à sua imagem e fatura sozinho os benefícios.
Boa parte do azedume do Congresso com a reforma da Previdência veio com a constatação de que, se aprovada, a proposta vitaminaria o discurso de Bolsonaro de que o fez sem se render ao achaque. Se derrotada, a culpa seria dos achacadores. O Congresso, assim, pagaria o pato de qualquer forma.
O presidente da República fechou a porteira das nomeações por decreto e entregou o cadeado para os militares, os mesmos a quem fingiu proteger com uma restruturação de carreira benevolente. Expôs a farda desejosa de recuperar prerrogativas ao desgaste da opinião pública. E, finalmente, ao abrigar a caserna também no segundo escalão amarrou o complemento de renda de pelo menos uma centena de oficiais reformados ao seu mandato.
O pelotão de desgastados percebeu o jogo e começou a unir forças. A central de tuítes instalada no Palácio do Planalto contra as ambições da base governista priva Rodrigo Maia de meios para arregimentar votos. De uma posição inicialmente hostil à reforma da seguridade dos militares, o presidente da Câmara fez uma inflexão em busca de aproximação com a farda que ameaça circunscrever o presidente da República às brigadas bolsonaristas.
A cada turnê de palestras em que aparece como o príncipe da moderação, Hamilton Mourão enche o tanque das brigadas. Os 80 tiros de Guadalupe abafaram todas as palmas que o vice-presidente tem colhido, até aqui, nos mais estrelados auditórios. O presidente da República deixou o plural majestático de lado e deixou que os próprios militares respondessem pelo crime que tirou a vida de um músico negro, com duas crianças no carro, a caminho de um chá de bebê.
Se Bolsonaro pode se defender de ter como vizinho um grande contrabandista de armas suspeito de assassinato e de ter protegido os currais eleitorais da família ao longo das últimas três décadas com a banda podre da polícia, os militares também podem se virar com os estilhaços em sua vidraça.
Em sua jornada para deslegitimar as opções ao bolsonarismo, o presidente da República também atingiu o ministro da Justiça. Com o projeto anticrime, Sergio Moro deu a Bolsonaro o discurso de que avança na agenda que o elegeu, mas colheu ainda mais antagonismos no Congresso e forneceu cumplicidade à profusão de guardas da esquina que têm atentado, sob fortes emoções, contra a segurança e a vida de inocentes.
Ao atrair Moro para o time de tuiteiros do governo, Bolsonaro acelera seu desgaste. O ministro da Justiça se afasta da condição de titular de uma pauta que se valeria do seu governo para se institucionalizar e assume seu lugar no picadeiro bolsonarista. Foi de lá que posou com um calendário que, a pretexto de atestar o titular da conta do Twitter, só provou que a um mês de 30 dias se sucede um de 31.
Moro deixou a condição de condestável da operação do fim do mundo por uma convivência mais próxima com milicianos impunes. Os militares deixaram sucessivas operações de garantia da lei e da ordem sem arranhões graves à sua imagem. Trocaram sua pauta por um governo que os expõe a um desgaste crescente. De portadores da tutela, passaram a prisioneiros do presidente da República e de suas brigadas.
cristina.fernandes@valor.com.br
Quinta-feira: 11 de abril de 2019
UOL – Blog Reinaldo Azevedo: TIRO PELA CULATRA 1: 64% rejeitam posse de armas; 72%, porte. E aí, Moro?
Nem tudo está perdido, creio, e parece que os brasileiros não enlouqueceram de vez. Não caíram no conto do “Justiceiro de Curitiba” — não ao menos no que respeita ao que ele chama de ” combate ao crime violento”. Refiro-me, claro, ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, que faz, por sua vez, as vontades de Jair Bolsonaro. Não! Ninguém gosta de bandidos — a rigor, nem outros bandidos. Mas parece que os brasileiros perceberam o risco da carnificina. Pesquisa Datafolha, publicada na Folha de hoje, traz dados importantes, que devem levar os senhores parlamentares a uma grave reflexão. Até porque deixarão seu nome gravado na história a depender do que venham fazer.
Dizem que arma de fogo deveria ser proibida porque “representa ameaça à vida de outras pessoas” 64% dos entrevistados, contra 34% que acreditam que uma arma legalizada deve “ser um direito do cidadão para se defender”. A arma já gozou de mais prestígio: em novembro de 2017, por exemplo, o placar era 52% a 46%. A rejeição é especialmente alta entre mulheres (74%), jovens de 16 a 24 anos (69%) e pessoas com renda de até 2 salários mínimos (72%).
E que se note: não se está a falar aqui da proposta verdadeiramente aloprada de Bolsonaro, que é a generalização do porte de armas, o que está longe de ser consenso mesmo em seu governo, com especial ênfase entre os militares. Nada menos de 72% dizem que as pessoas não estarão mais seguras se andarem armadas, contra 29% que pensam o contrário.
UOL – Blog Reinaldo Azevedo – TIRO PELA CULATRA 2: Maioria rejeita absurdos do “pacote anticrime” de Moro
Nas alterações que propôs nos artigos 23 e 25 do Código Penal, Sérgio Moro, que consegue espancar a lógica com o mesmo desassombro com que espanca a língua portuguesa e o direito, confere, sim, licença para matar quando mistura legitima defesa com um tal “excesso escusável” e com o que chamo “morte preventiva”, que foi a alegação usada pelos soldados do Exército que despejaram 80 tiros no carro em que estava uma família que se dirigia para um chá de bebê, matando o músico Evaldo Rosa dos Santos. Por óbvio, a esmagadora maioria dos brasileiros acha que a polícia pode matar em legítima defesa (72% a 25%), mas rejeita a ideia (68% a 29%) de que a sociedade seria mais segura se os policiais matassem mais suspeitos. Nada menos de 81% se opõem à ideia de que policiais deveriam ter mais liberdade para atirar, mesmo havendo risco de atingir inocentes; 79% dizem que policiais que matam em serviço têm de ser investigados; 82% repudiam a não-punição de uma pessoa que alegue ter atirado em outra porque muito nervosa.
UOL – Blog Reinaldo Azevedo – TIRO PELA CULATRA 3: Com flexibilização, 80% dizem que não vão comprar arma
Segundo a pesquisa Datafolha, 73% nunca pensaram em comprar uma arma de fogo para se defender da violência. Mesmo com a flexibilização, já efetivada por meio de decreto por Sérgio Moro e Jair Bolsonaro, 80% não pensam em fazê-lo, o que é uma excelente notícia. A Polícia ainda está longe de contar com a confiança razoável da população: 51% dizem ter mais medo do que confiança, contra 47% que afirmam o contrário. A prisão é vista de maneira ambígua: 54% concordam com a afirmação de que quanto mais pessoas presas, mais segura estará a sociedade, o que é rejeitado por 42%. Não obstante, 62% avaliam que o encarceramento fortalece as organizações criminosas (contra 34%).
UOL – Blog Reinaldo Azevedo – TIRO PELA CULATRA 4: Vejam quais são os grupos mais chegados a uma pistola
A Folha traz alguns cruzamentos feitos pela pesquisa indicando quais são os grupos que mais gostam de armas:
“A ideia de que o cidadão tem direito à posse de arma legalizada para se defender é mais difundida entre homens (47%), pessoas de cor branca (44%), com formação em nível superior (40%) e com renda maior que 10 salários mínimos (40%).
Entre 71 cruzamentos disponíveis na pesquisa, a posse de armas como direito é majoritária em apenas sete deles: empresários (64%), partidários do PSL (73%) e do PSDB (60%), eleitores de Bolsonaro (54%), aqueles que avaliam seu governo como ótimo ou bom (59%), quem já possui arma de fogo (72%) e quem pretende comprar uma (81%).”
Não são dados surpreendentes, convenham.
O armamentismo foi um dos pilares da campanha de Bolsonaro. A sua primeira medida de governo, diga-se, com a devida escolta de Moro, foi a flexibilização da posse de armas.
Neste ano, no entanto, eventos com armas de fogo traumatizaram o país. E, em todos os casos, a resposta das autoridades de plantão foi pífia. Vejam o caso deste estupefaciente Wilson Witzel: ele preferiu mão comentar a tragédia ocorrida no Rio. Ele ainda não chegou a uma conclusão se a execução de um pai de família é algo que ele deva lamentar.