Segunda-feira: 5/11/2018
O Globo: FH responde a provocação de Bolsonaro no Twitter: ‘Cruz, credo!’
Troca de comentários começou no sábado com crítica à política externa e envolveu livro de ex-premier da China
SÃO PAULO – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB) e o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) trocaram provocações nos últimos dias. A série de comentários começou com uma crítica feita por FH sobre a eventual política externa brasileira e seguiu para as redes sociais, envolvendo uma foto do tucano lendo um livro de um ex-premiê chinês.
No sábado, durante um evento em Lisboa, Fernando Henrique disse que o governo Bolsonaro pode ser prejudicial à imagem do Brasil no exterior, ao responder a uma pergunta sobre a possibilidade de o Mercosul deixar de ser prioridade para a política externa brasileira.
– Será um impacto, no meu modo de ver, negativo (para a imagem do Brasil no exterior). Ele (Paulo Guedes, futuro ministro da área econômica) disse que o Mercosul não é prioridade, o que abala a relação do Brasil com parceiros do Sul. Foi dito que, eventualmente, o Brasil poderia cortar relações com certos países”, afirmou FH, durante o evento Fronteiras XXI, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e a emissora RTP 3.
A jornalistas, Fernando Henrique disse ainda que não conhecia Bolsonaro para poder julgá-lo:
– Parece que foi parlamentar por 27 anos. Eu fui presidente durante oito, fui ministro durante dois, fui senador por mais não sei quanto tempo e não o conheço. Nunca o vi ou ouvi. Ouvi só agora, recentemente. Não tenho conhecimento pessoal para julgá-lo – disse.
Bolsonaro reagiu no domingo, publicando uma foto em que Fernando Henrique aparece deitado em uma poltrona lendo o livro “Prisoner of the State”, que reúne as memórias do ex-secretário-geral do Partido Comunista da China, Zhao Ziyang, deposto e preso após os protestos da Praça da Paz Celestial, em 1989.
Uma das respostas mais curtidas na publicação de Bolsonaro foi a do empresário Luciano Hang, dono da cadeia de lojas Havan: “FHC enganou a mim e a todos os brasileiros. É um comunista”, tuitou.
Fernando Henrique respondeu nesta segunda-feira: “A desinformação é péssima conselheira. Na foto do Twitter do presidente eleito, eu apareço lendo um livro de ex-premiê da China, deposto e preso, que critica o regime. Isso aparece como ‘prova’ de que sou comunista. Só faltava essa. Cruz, credo!”
Estado.com: A nova era Bolsonaro chegou
Marcelo Rubens Paiva*
Que semana…
A sociedade civil brasileira tem o direito de pedir serenidade ao futuro chefe de Estado. E suas entidades têm o dever de controlar abusos e incoerências dos eleitores. O candidato antissistema precisa repensar o que diz, afinal, ele é sistema agora.
Quatro alunos da Faculdade de Economia e Administração (USP) entraram com roupas militares, armas e as placas “a nova era está chegando” e “está com medo petista safada?” na faculdade e tiram fotos. A USP já identificou três e abriu sindicância.
Aluno da universidade de Bragança Paulista foi preso ao entrar com canivete, rifle de airsoft e bastão, e ameaçou colegas. A Guarda Civil o prendeu em flagrante. A universidade abriu uma sindicância para apurar. O aluno negou as ameaças, mas não explicou as armas.
Quatro apoiadores do presidente eleito invadiram assembleia do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, em Camboriú (SC). O empresário Emílio Dalçoquio, de Itajaí, exaltou-se e deu vivas ao ditador chileno Augusto Pinochet: “Matou quem tinha que matar”.
Segunda-feira, estudante do curso pré-vestibular Oficina do Estudante, de Campinas, levou uma arma de brinquedo e ameaçou os colegas. Disse que voltaria para matar estudantes homossexuais. Foi expulso.
Mãe jornalista de Natal (CE) fantasiou o filho de escravo para o Halloween da escola e postou fotos. Chegou a maquiar as costas do garoto com marcas de chicote. Queria abrasileirar a festa, contou: “Não leiam livros de história do Brasil. Eles dizem que existiu escravidão de negros no País, mas isso é mentira”. Pediu desculpas depois e apagou as fotos. O MP ainda não decidiu se instaura processo.
Deputada estadual recém-eleita, professora Ana Campagnolo, abriu um canal de denúncias na internet para fiscalizar “professores doutrinadores” que, em sala de aula, tivessem “manifestações político-ideológicas”. O juiz Giuliano Ziembowicz, da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, determinou que a deputada retire a publicação, pois “fere o direito dos alunos de usufruírem da liberdade de expressão da atividade intelectual em aula, que deve ser exercida sem censura.”
O governador eleito do Rio, Wilson Witzel, pediu desculpas à família de Marielle Franco, depois de apoiar a quebra da placa de rua com o nome da vereadora do PSOL executada.
A Marcha do Chola Mais foi agendada pelo Facebook para “cantar e comemorar” a vitória de Bolsonaro pelas ruas da USP. Um dos organizadores, deputado estadual eleito (PSL-SP), Paulo Douglas Garcia, cofundador do movimento Direita São Paulo, não estuda na instituição. Rolou empurra-empurra.
Estudante da Faculdade de Direito do Mackenzie postou vídeos afirmando “estar armado com faca, pistola, o diabo, louco para ver um vagabundo com camiseta vermelha para matar logo”, e “essa negraiada vai morrer”. Pediu desculpas depois, disse que foi uma “bobagem”, um “impulso”, uma “fala completamente equivocada”: “Acabei externando nessas palavras completamente equivocadas, erradas, a pessoas que não tinham nada a ver com a minha indignação. Pelo contrário, não sou uma pessoa racista, muito menos violento”. O MP de São Paulo abriu inquérito.
Ele foi suspenso da faculdade e mandado embora da firma em que trabalhava, DDSA Advogados, que soltou: “Tomamos conhecimento, na tarde de hoje, de vídeo que circula nas redes sociais com declarações efetuadas por acadêmico de Direito que fazia estágio no escritório e imediatamente o desligou de seus quadros. O escritório repudia veementemente qualquer manifestação que viole direitos e garantias estabelecidos pela Constituição Federal”.
Jair Bolsonaro, por três décadas, criou um repertório grande de declarações misóginas, homofóbicas, racistas, somadas a ataques à imprensa e discurso de ódio, que avalizam o comportamento dos seus aliados.
Apoiadores de Bolsonaro entraram na Universidade de Brasília para comemorar a vitória do ex-capitão. Convidados a se retirar, quebraram o pau com estudantes do ICC (Instituto Central de Ciências). A segurança interveio.
Assessor parlamentar de imprensa do presidente eleito entrou num grupo no WhatsApp formado por jornalistas que cobriam a campanha e escreveu: “Vocês são o maior engodo do Jornalismo do Brasil!!!! LIXO”. Escreveu depois: “Gostaria de apresentar minhas sinceras desculpas junto aos jornalistas brasileiros, que por ventura se sentiram atingidos, no tocante ao meu excesso verbal. Agi de forma rude e equivocada para mostrar minha insatisfação na cobertura jornalística do cenário político nacional”.
O ministro Luís Roberto Barroso anunciou que STF se unirá em defesa de negros, gays, mulheres e da liberdade de expressão: “O Supremo pode ter estado dividido em relação ao enfrentamento da corrupção. Muitos laços históricos difíceis de se desfazerem, infelizmente. Mas em relação à proteção dos direitos fundamentais, ele sempre esteve unido”.
O grupo Ninguém Fica Pra Trás abriu conta no site de contribuição coletiva: “O ódio pode estar mais forte do que nunca, mas nossa resposta começa aqui, e agora. Vamos nos unir nesta enorme campanha de financiamento coletivo para apoiar iniciativas que acolhem pessoas vítimas de violência, intolerância, misoginia, homofobia e racismo… A eleição de Bolsonaro tem um efeito grave e imediato: o aumento dos crimes de ódio sobre grupos que foram hostilizados em seus discursos. Mulheres, negras e negros, população LBGTQI, povos tradicionais e refugiados sempre sentiram na pele os efeitos da intolerância – mas agora, com um presidente que incita o ódio publicamente, essas vidas estão ainda mais ameaçadas”.
A Associação Nacional de Jornais, OAB, ABI, Repórteres Sem Fronteiras, Federação Nacional dos Jornalistas, Comitê de Proteção aos Jornalistas e outras entidades repudiaram a entrevista ao Jornal Nacional em que o candidato eleito voltou a atacar a Folha de S. Paulo e afirmou que “por si só, esse jornal se acabou”.
Na quinta-feira, na sua primeira coletiva, foi vetada a presença de representantes dos jornais Estado, Folha, O Globo e agências internacionais. Que semana…
Marcelo Rubens Paiva é escritor, jornalista e escreve em O Estado de S.Paulo