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Por Aline Araújo*

Entre 28 de agosto e 4 de setembro, foi realizada, totalmente on-line, a sexta edição de Circos – Festival Internacional Sesc de Circo. Foram apresentados, pela internet, espetáculos e ações formativas para artistas circenses. Cachimônia, uma das atrações do último dia do festival, foi gravado no palco do Sesc Pinheiros, sem público presencial, e transmitido ao vivo pelo canal Youtube do Sesc. Esse caráter simultâneo garantiu a tensão e as boas surpresas que experimenta o espectador do circo. 

O espetáculo, de 2019, conta com a direção experiente de Lu Lopes e Tato Villanueva e completa a trilogia dos afetos, da qual fazem parte Vizinhos (2014) e Balbúrdia (2017), idealizada pela Cia Artinerant’s, dos artistas Maíra Campos e Nié Pedro. (Esses espetáculos também podem ser vistos nos vídeos do Sesc).

Cachimônia é uma obra carregada de sentidos, natureza já indicada pelo título, que pode significar “cabeça” – lugar do pensamento e da memória – e “paciência”. No desdobramento das ações no palco, o público percebe esses dois significados alternando-se com mais ou menos intensidade, pois, como nos demais espetáculos da trilogia, acompanhamos o cotidiano de um casal que, entre rompantes passionais e conflitos, equilibra sua relação com sagacidade e tolerância.

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Os personagens, interpretados por Maíra e Daniel, passam a noite inebriados em uma casa de campo, em meio a sons de animais, jogos de cartas e garrafas de leite cheias de vinho; não há diálogos verbais, eles se comunicam por meio dos movimentos. O cenário, composto de uma mesa giratória, cadeiras e uma grande estrutura com fundo preto, abriga inúmeras possibilidades de transformação do ambiente doméstico em uma imagem surrealista, servindo de suporte para evoluções acrobáticas e números de equilibrismo. Com graciosidade e precisão, ela caminha sobre uma vassoura, garrafas de vidro e móveis, construindo uma metáfora vivaz dos desafios cotidianos. Ele, por sua vez, demonstra força e dinamismo em suas acrobacias, além de exercer liberdade e desenvoltura ao dançar usando botas de salto alto. 

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Se em determinados momentos o casal experimenta a tensão e se lança em conflitos, como no número em que ela, em postura ameaçadora, atira facas em diversos alvos, a ternura e a cumplicidade são trabalhadas intensamente nas cenas de acrobacia em dupla, nas coreografias e no dueto da canção “Azul”, eternizada na voz do cantor e compositor mexicano Agustín Lara. A trilha sonora, aliás, amplifica as dicotomias que constroem o espetáculo: canções populares e música erudita se misturam e se contrapõem ajustadas ao tom e ao ritmo dos personagens. 

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Em Cachimônia, o público assiste, como de uma janela, ao desenrolar de cenas tensas, bem-humoradas e afetuosas, que retratam com plasticidade a vida compartilhada de um casal ao mesmo tempo anônimo e universal. Ao transformarem a relação conjugal e as situações convencionais em jogos de equilíbrio, acrobacia e arte, a dupla da Cia Artinerant’s nos mostra, em um espetáculo maduro e dinâmico, que, com perspicácia, paciência e parceria, viver junto pode ser leve e bonito.

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*Aline Araújo é formada em Letras pela FFLCH-USP e atua nas áreas de redação, edição e revisão de textos.

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