Criador de espetáculos circenses como “Corteo” e “La Verità”, Daniele Finzi Pasca surpreende até no nome.
Oscar Pilagallo, especial para Panis & Circus
A primeira surpresa, para quem não tem referência prévia sobre o artista suíço, é de gênero: Daniele é homem.
A segunda surpresa, para quem se esqueceu de que a pequena Suíça é grande o suficiente para abrigar vários idiomas oficiais, é linguística: Danile fala italiano.
A terceira surpresa, para quem não está antenado no alcance da arte circense, é uma grata descoberta: Daniele Finzi Pasca, que se define como um contador de histórias, é um poeta do corpo.
Para ele, o clown é o narrador, o guia, o Virgílio de Dante.
A definição é uma das muitas pérolas que podem ser encontradas em “Teatro da Carícia”, livro que transcreve uma entrevista que Daniele concedeu ao jornalista uruguaio Facundo Ponce de León em 2007.
O volume lembra o melhor das históricas entrevistas da “Paris Review”, em que escritores consagrados falavam sobre sua vida e arte a interlocutores que extraíam deles declarações que não ficavam aquém de suas obras.
Aos 50 anos de idade e mais de 30 anos de picadeiro, Daniele Finzi Pasca é também ator, diretor de teatro, coreógrafo e criador do prestigioso Teatro Sunil — um artista reconhecido internacionalmente. Alguns de seus espetáculos estão entre os mais vistos no mundo todo. É o caso de “Corteo”, do Cirque du Soleil, “Ícaro” e “La Veritá”, da Companhia Finzi Pasca, que ele fundou.
Em “Teatro da Carícia”, Daniele aborda sua concepção artística, que foi iniciada cedo, aos 18 anos, a partir de uma viagem à Índia. Foi lá, em Calcutá, longe de sua Lugano natal, que percebeu que o extraordinário está no cotidiano, que a vida heroica é a vida comum.
De lá para cá andou pelo mundo. Onde há circo, arte, teatro, ele se sente em casa. Foi assim no Brasil em 1986, quando o Brasil iniciava, em meio a incertezas, a trajetória democrática, depois de duas décadas de ditadura militar.
Daniele considera essa turnê tropical “catastrófica e extraordinária”.
A catástrofe, em parte, ficou por conta de seu agente cultural. Como quem desenrola uma boa história no proscênio, ele diz que há três tipos de agente cultural: os santos, os ladrões e aqueles que, como o homem com quem cruzou no Brasil e a quem prefere não nomear, são os dois ao mesmo tempo. Para resumir, o santo-ladrão sumiu com o dinheiro da trupe.
Mas Daniele prefere a lembrança do que foi extraordinário: a solidariedade. “Nessa primeira aventura, descobri que as pessoas de teatro são solidárias, fazemos parte de uma mesma família, e no perigo, nas dificuldades, sempre nos ajudamos.”
As histórias são boas, dignas de um clown, mas o livro vale mais por fixar visões sobre a arte circense que desafiam as explicações puramente racionais.
Por exemplo, a resposta a uma pergunta de Facundo — O que é acrobacia? — é uma aula de sensibilidade.
“O gesto acrobático, diferentemente do gesto ginástico, não precisa de uma avaliação, não pode ser medido”, começa Daniele. “É algo simplesmente mítico”, diz. “Faz-se ginástica pelo bem-estar, pela superação e pela perfeição. […] A acrobacia vem de outro lugar do pensamento, de algo muito mais profundo.” E então, preparado o terreno, Daniele formula com poesia: “O acrobata é uma resposta ao angélico dos deuses”.
O que ele quer dizer com isso?
“Os anjos têm seus deuses, que descem para nos dizer coisas; nós temos os acrobatas, que se elevam até certo ponto do céu e, para conseguir, lutam contra as leis físicas, desafiam o medo. […] O gesto acrobático é representação de nossa forma de entender e lutar contra as leis da realidade. Descobrimos, no princípio, que o corpo está grudado no chão e assim começamos a dançar gestos que nos fazem voar.”
Depois de “Teatro da Carícia”, não veremos mais, como antes, um espetáculo de acrobacia.
Daniele também exala generosidade. Sobre o talento do artista, por exemplo, lembra que a própria palavra “talento” tem origem numa moeda antiga e compara, com propriedade, virtuosismo e dinheiro. “O talento cresce no intercâmbio, é preciso usá-lo para que frutifique. Se alguém o enterra e não o divide, ele não serve para nada, para além do fato de que você nasce com ele.
Em “Teatro da Carícia”, o talento de Daniele está compartilhado com o leitor.
Postagem: Alyne Albuquerque
Oi Asa.
Tudo bem?
Nos encontramos em Fossano, no Festival de Mirabilia, junto com Davide Morra. Lembra?
Visitei seu site e gostei muito.
Vi lá o artigo sobre Daniele Finzi Pasca. Sou muito amigo dele.
Minha filha trabalhou com ele durante um ano em Montreal (Canada) pelo Cirque du Soleil.
Um abraço.
Lucio