
.
Ivy Fernandes, de Roma
Uma das ‘universidades’ circense mais importantes da Europa, o Centre National des Arts du Cirque (CNAC), passa a ser dirigida pela primeira vez, desde que foi criada em 1985, por uma mulher, Peggy Donck, ex-diretora de produção da Compagnie XY e que trabalha há mais de 25 anos com empresas de circo.
Nomeada pela ministra da Cultura da França, Roselyne Bachelot, Peggy tem o desafio de renovar, incentivar e abrir novos caminhos para a arte circense.
Artigo publicado no Le Monde ressalta a importância e o desafio do trabalho de Peggy à frente da CNAC em um momento em que o circo francês passa por uma reorganização. O setor foi fortemente prejudicado durante os dois anos de pandemia, impedido de exibições e de manter suas escolas abertas.
.

.
Defesa de um projeto comum
Desde 1.º de janeiro, quando assumiu a direção da instituição de ensino superior, Peggy deixou claro o que pensa. “Eu já conhecia bem o centro CNAC, mas optei por conhecer todos, professores, alunos e colaboradores, individualmente, durante conversa de uma hora. Ainda não acabou. O resultado é que coloquei o meu projeto inicial em uma gaveta para construir um novo, com as equipes e os estudantes”, explicou.
.

.

.
Segundo Peggy, há pessoas apaixonadas na escola que têm experiência muito específica em diferentes campos. “Eles estão no CNAC há muito tempo e conhecem toda a história, outros acabam de chegar e têm um novo olhar sobre a escola. Devemos reexaminar juntos o que funciona, o que pode ser melhorado, o que queremos mudar e refazer”, disse. “Penso que é importante ter uma direção comum.”
Algumas medidas já foram tomadas visando ter uma imagem mais clara da missão da escola. A primeira providência da nova dirigente foi alterar o formulário de inscrição que os candidatos preenchem ao entrar na instituição com a inclusão de uma série de perguntas sobre a visão que têm da escola, o que eles representam artisticamente, entre outras.
“Quero afirmar a identidade do CNAC para que ninguém venha aqui por acaso. Esta escola é única por causa de sua história e tem a particularidade de abrigar um centro de treinamento para toda a vida, um centro de recursos documentais, pesquisas muito avançadas”, afirma.
.

.
Arte X Atletismo
Peggy diz que nos primeiros meses deste ano pode observar de perto as qualidades e fraquezas dos estudantes da escola. Ela concluiu que tecnicamente são excelentes, mas parecem carentes de referências artísticas. No seu trabalho dos últimos anos na Compagnie XY, ela observou a integração ao circo de acrobatas provenientes do setor esportivo. “Eles são obrigados a atravessar a ponte que liga a perfeição atlética à arte circense e essa mudança não é fácil, porque, mesmo se a técnica é perfeita, muitas vezes o acrobata não chega ao público”, afirma.
“O palco não é uma pista de atletismo. É preciso transformar excelentes atletas da acrobacia em fantásticos artistas circenses. Eu amo a técnica desde que ela não se torne uma espécie de demonstração. Portanto, pretendo colocar os artistas novamente no coração do projeto de ensino para injetar arte na técnica”, explica.
Paralelamente ela deve priorizar medidas que levem o setor a uma normalidade “pós” pandemia e pôr fim ao isolamento, preparar estudantes colocando-os em contato com o meio teatral, coreográfico, musical e de artes plásticas. Por isso, ela prevê que o percurso será longo e deverá ter várias etapas.
.


.
E a experiência acumulada durante os anos em que esteve na Companhia XY a credencia para esse trabalho desafiador. Durante os mais de 15 anos na empresa ela conseguiu montar espetáculos que integravam à perfeição artistas provenientes das escolas circenses e aqueles transferidos do setor esportivo. Um dos espetáculos da XY que rodou o mundo sendo um dos mais aplaudidos foi o Mobius, que no ano passado se apresentou no Festival Roma-Europa 2021.
.
O mundo Cnac
Na França existem 14 centros de estudos de arte circense. Duas outras escolas de ensino superior fazem parte da Federação Francesa de Escolas de Circo (FFEC). Durante os últimos anos, muitas outras escolas como as de Montreal, Estocolmo, Bruxelas se tornaram ponto de referência para todos os jovens que querem ingressar no setor. Peggy entende que cada deve defender sua identidade.
.


.
“Os estudantes escolhem o CNAC pelo seu alto profissionalismo e a integral dedicação à arte circense. Todos os anos se formam cerca 15 alunos prontos para enfrentar a carreira. Isto depois de três anos de curso intensivo e mais um quarto ano de profissionalização com a apresentação de um espetáculo diante do público”, explica a diretora. Ela diz que, mesmo com as restrições do mercado de trabalho, os jovens graduados no CNAC têm uma possibilidade maior de emprego.
Ela defende a necessidade de reavivar – incluindo 14 centros circenses espalhados pelo país – a rede de palcos nacionais e refletir sobre a presença e a defesa do circo d’auteur. “Somente em Châlons-en-Champagne, onde o CNAC está localizado, iniciei um diálogo com Jean-Marie Songy, diretor do festival Furies, para imaginar o intercâmbio entre nossas duas estruturas, assim como com Philippe Bachman, diretor da La Comète, que está interessado em nova magia: aqui temos um espaço dedicado a esta disciplina”, afirma.
Ela pretende manter o intercâmbio do setor com a dança. “As relações com a dança em particular e com o teatro têm ajudado a construir a identidade do CNAC”, explica. “Hoje, graças a Bernard Turim, diretor de 1990 a 2003, que em 1995 convidou o coreógrafo Josef Nadj para dirigir os alunos do último ano do espetáculo de fim de curso intitulado Le Cri du caméléon, o que chamamos “as artes irmãs”, ou seja, dança e teatro, estão naturalmente presentes nos espetáculos de circo. Vamos manter estas relações, mas vou tentar desenvolver contatos com as artes visuais, bem como com a música eletrônica.”
.

.

.
Legenda Foto de Capa – Peggy Donck, da cia.XP, que passa a dirigir o Centro Nacional de Artes de Circo, na França