Quarta-feira: 20 de março de 2019
O Estado de S.Paulo – Governo tira do ar entrevista de Bolsonaro que foi criticada
Planalto publicou áudio da fala do presidente à emissora americana Fox News em que diz que maior parte dos imigrantes que se mudam para os Estados Unidos ‘tem más intenções’; depois, removeu arquivo para substituí-lo por versão editada
Naira Trindade, Brasília
BRASÍLIA – Após a entrevista do presidente Jair Bolsonaro à Fox News repercutir mal nas redes sociais, o Planalto retirou o áudio do portal oficial do governo. A gravação, exibida na terça-feira, 19, em Washington (EUA), havia sido publicada na página oficial às 11h11. O material permaneceu disponível até 16h45. Depois, foi apagado.
Ao ser questionado pelo Estado, o Planalto a republicou às 18h45. Em seguida, a gravação foi novamente suspensa. Desta vez, para que fosse substituído o áudio bruto pelo editado e divulgado pela TV americana.
Bolsonaro concedeu a entrevista para o canal que faz cobertura favorável ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. À entrevistadora Shannon Bream, o presidente disse que a maior parte dos imigrantes que se mudam para os Estados Unidos “tem más intenções”. A declaração foi dada para justificar a posição favorável do brasileiro à construção do muro na fronteira dos Estados Unidos com o México.
É praxe a divulgação de áudios e transcrições de declarações do presidente da República na página oficial do governo. Procurado, o secretário de Comunicação, Alexandre Lara, disse ter havido um erro e que o material editado e veiculado pela Fox seria publicado novamente no site.
Equívoco
Ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro voltou atrás na declaração sobre os imigrantes dada à Fox News. A jornalistas, o presidente se desculpou pela declaração. “Foi um equívoco meu, boa parte tem boas intenções, a menor parte não (tem boas intenções). Peço desculpas aí”, disse Bolsonaro.
Veja abaixo a íntegra da entrevista de Bolsonaro à Fox News (áudio em inglês): ttps://youtu.be/6VSEp5tf7lg
Mesmo assim, ele afirmou que tem “muita gente que está de forma ilegal” nos EUA, mas disse que isso é “uma questão de política interna”. “Eu também gostaria que, no Brasil, só tivesse estrangeiros legalizados e não de forma ilegal, como existe. Me desculpem mais uma vez o equívoco ou ato falho”, afirmou o presidente.
Ao comentar a isenção de visto de turista aos americanos, concedida pelo Brasil mesmo sem a reciprocidade dos EUA, Bolsonaro afirmou que alguém tem que “ceder o braço em primeiro lugar”.
“Não vemos nenhum americano indo para o Brasil para ganhar estabilidade via CLT, buscar emprego lá. E o contrário, para cá existe, mesmo não havendo qualquer garantia de CLT aqui. Então, há uma diferença e alguém tem que ceder o braço em primeiro lugar, estender as mãos em primeiro lugar, e fomos nós”, afirmou. / COLABOROU BEATRIZ BULLA, CORRESPONDENTE / WASHINGTON
Quarta-feira: 20 de marcço
O Globo: charge de Chico Caruso – Bolsonaro visita Trump
Quarta-feira: 20 de março de 2019
Folha: charge de Laerte
Quarta-feira: 20 de março de 2019
Veja: Gente, isso não é normal!
Trump e seu espelho
Por Ricardo Noblat
Não é normal que um presidente da República do Brasil se desmanche em elogios escancarados ao presidente da República de outro país, ou ao Chefe de Estado que acaba de visitar. Os elogios devem ser protocolares, discretos, quando nada para que não fique a impressão de que foi subserviente, ou de que se comportou simplesmente como um jeca.
Não é normal que um presidente da República do Brasil, ao cabo de uma viagem ao exterior, seja apontado pela imprensa estrangeira como um bajulador do anfitrião. Presidentes da República do Brasil já foram criticados pela imprensa internacional por outros motivos – uns por chefiarem governos ditatoriais, outros por se revelarem incompetentes, mas não por isso.
Não é normal que um presidente da República do Brasil interfira em assuntos internos do país que visita desejando a quem o recepciona que se reeleja, ou dizendo com todas as letras que acredita em sua reeleição. E se ela não acontecer? Como poderá contar no futuro com a boa vontade do novo governo que ele mesmo desejou que fosse derrotado?
Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, faça declarações tão repulsivas contra seus compatriotas forçados um dia a deixarem o local onde nasceram à procura de melhores condições de vida. E que chegue ao ponto de afirmar que apoia a construção de um muro para separar o país que visita dos seus vizinhos.
Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, deixe seu ministro das Relações Exteriores em posição subalterna para valorizar a presença de um dos seus filhos, parlamentar reeleito, cada vez mais influente nas decisões de política externa tomadas por seu pai, e fã de carteirinha do presidente do país visitado a ponto de merecer suas deferências.
Por fim, não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, peça para conhecer a sede de uma das maiores agências de espionagem do mundo, famosa ao longo de sua história por financiar golpes contra presidentes legitimamente eleitos, e manter bases secretas no exterior onde tortura presos políticos. Definitivamente, não é normal.
Se nenhuma dessas coisas é normal, seria possível engoli-las caso o resultado da visita configurasse um retumbante êxito – mas não. Por tudo conhecido até aqui, o visitante concedeu muito mais do que obteve. Dizem seus devotos que a boa química estabelecida entre ele e seu anfitrião dará preciosos frutos. O futuro a Deus pertence. O Deus do visitante sequer é o mesmo Deus do visitado.